terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Joana

Eu já estava desconfiada a algum tempo, mas não sei porque decidi voltar naquele dia. Não sei o que deu em mim, mas foi assim sem mais nem menos, fiz tudo como todo dia, acordei, tomei banho fiz o café, me arrumei e sai para trabalhar, só que naquele dia não sei por que deixei a carteira de propósito só pra poder voltar depois. Esperei um pouco na esquina de casa, sei lá, talvez achasse que fosse chegar alguém e eu o pegaria no flagra. Mas eu tinha certeza que ele andava aprontando. Mesmo me chamando de paranóica e louca, e dizendo que a vida toda eu sempre fui assim, ciumenta e insegura, que me sentia culpada de não saber amar, e que por isso o meu egoísmo era tão latente que eu não levava em consideração o ele fazia por mim,”te dou tudo não te falta nada”. E ele tinha a cara de pau de dizer que isso afetava até nossa vida sexual.
“Você quando goza parece que está tendo um troço, se encolhe toda e não consegue nem olhar na minha cara”, dizia ele, “e depois ainda quer saber com que outra eu aprendi o que uma mulher gosta? Joana faça-me o favor isso é coisa que se pergunte? E o desejo que eu sinto por você? Então eu não posso ser bom de cama? Você acha o que? Que só houve você na minha vida? Vou te dizer uma coisa, a cada dia que passa você fica pior. Não confia mais em mim e nem me ouve. Sabe o que é pior? É que hoje eu vejo que você é tão envolvida, tão consumida por essa paranóia, por essa tua insegurança que te cegam tanto que você não consegue ver quem eu sou na real, não me conhece não sabe nada de mim. Não sabe que eu te amo. Que eu te aturo simplesmente por que eu te amo Joana, sabia?”
Ele tentava me fazer sentir culpada, mas eu não caía nessa. Já conheço e não é de hoje. Não deu outra, eu queria mesmo era acabar com essa palhaçada. Fosse paranóia, ou não, eu não queria saber.
Quando voltei pra buscar a carteira, notei que ele não estava na sala. O horário dele sair pra trabalhar é bem depois do meu. Fui até onde estava a carteira e escutei um ruído no telefone, na hora vi que ele devia estar falando com alguém. Tirei o fone do gancho e resolvi escutar:
“Mas eu não sei o que você vê nela, por que bonita ela não é, de corpo vá lá, até que engana, é jeitosinha e tal, mas a cara meu filho, tem dó. Ninguém merece. Por que você casou com ela, hein?”
“Ela é boa, é gostosa, tem corpo bonito. É meio burra, mas vale a pena, é moça de família, me respeita, faz tudo o que quero e a casa sempre está limpa”.
“Ah, fala serio. Mas então ela é tua empregada, isso eu também posso ser. Já ela nem te dá o cuzinho, é ou não? Ou dá?"
“Não ela não dá, não é vagabunda como você” e riu o canalha. Riram os dois.
“Ah, mas do meu você gosta, não gosta? Não gosta de cú de macho, heim? Quando é que eu vou poder te dar ai nessa cama? Quero de novo na cama de vocês."
Não quis ouvir mais nada. Estava muito chocada com o que tinha ouvido. Esse puto trepava com outro homem na minha cama. Deu em mim um ódio tão grande que nem sei. Fui até a cozinha quis beber um pouco de água com açucar, mas do jeito que eu estava não adiantou nada. Não consegui. Estava tonta, meu ouvido zumbia, não conseguia raciocinar direito, eu quis mata-lo mesmo, agora lembrando de como tudo aconteceu eu não posso alegar nada em minha defesa porque realmente eu tive vontade de mata-lo. Era o que eu queria.
Fui até o quarto, onde ele estava ao telefone, entrei como se estivesse atrás da carteira. Assim que me viu, murmurou algo como se estivesse falando com algum amigo, e rápido, desligou o telefone.
“Voltou?” perguntou na maior tranqüilidade.
Só lembro de ter pego o ferro de passar roupa que estava no chão ao lado da cama e dei na cabeça dele com força. Ele tombou na cama com uma cara de espanto, e dei outra, outra, outra e mais outra. Depois só lembro que ouvia o barulho surdo das pancadas na cabeça dele, e que o rosto estava desfigurado, com uns pedaços pela cama. O olho tinha caído, os dentes, era tudo uma pasta de carne.
Tomei um banho, arrumei uma mala com umas roupas, meu documentos, tudo o que eu tinha que era de valor pra mim, fui pra rodoviária, peguei um ônibus e sumi.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Clarisse


Foi tudo minha culpa. Estávamos numa reunião de amigos e eu soltei:
“Gente, eu ando tão bloqueado, estou precisando fazer uma pesquisa em campo, pra ver se sai algo, e talvez assim eu consiga escrever direito. Estou precisando de um estimulo. Estou desesperadamente precisando visitar um IML, dar de cara com um cadáver. Aberto e estropiado pelo legista, pode ser morto de qualquer coisa, de desastre, de automóvel, de avião, pode ser estrangulamento, afogado, estupro, surra, facada, tiro, cortado em pedaços, queimado, mordido, comido, empanturrado, overdose, machadada, perfurações de espeto, de tesoura, veneno, ácido, sei lá de qualquer jeito. Se vocês presenciarem um crime, um acidente, uma ocasião em que de qualquer maneira depararem com um cadáver, isso mesmo, não é pra rir não, é serio, não chama a ambulância me chama primeiro pelo amor de Deus.”
Os amigos, claro, acharam graça, não pararam de rir:
“De onde você tirou ‘perfurações de espeto’?”
“E ‘machadada’ é trash, coisa de filme.”
“Não sei por que penso nessas coisas. Elas simplesmente aparecem.” Eu disse.
“Você tem preferência de sexo?”
“E cor?”
“Não ligo, desde que esteja bem morto e eu possa obter impressões que em ajudem com o trabalho.”
“Mas você é escritor, não pode imaginar tudo?”
“Sim, mas preciso ter a impressão do que já vi. É assim que eu sou.”
“Eu acho que posso ajudar”, disse Clarisse. Estava ali ao meu lado, olhos azuis e bolsa bonita.
“O que você está achando dessa festa?” Perguntou ela.
“A bebida está boa.”
“Quer ir para um outro lugar depois?”
“Sou gay.”
“Sou puta. Desculpe.”
“Está pedindo desculpa por ser puta?” Ri.
Ela riu também. Disse:
“Pela cantada. Tem gay que tem medo de mulher.”
“Não sou assim, sou escritor.”
“Sei, ouvi seu comentário. Você quer dizer que escritor não tem medo de mulher e gay sim?”
“Quis dizer que sou sensível e não covarde. É que às vezes não me identifico.”
“Não reconhecer a si próprio? Assim, não saber quando é um ou quando é outro?
“Sim.”
“Eu também", disse ela, "ás vezes eu fico assim.” Fez uns olhos tristes de repente, pensando em algo. “Acho que posso te ajudar.” Disse.
“Com o quê? A me identificar?”
“Tem um amigo meu que é legista, bonitão, prefere sempre trabalhar de madrugada, diz que é mais macabro, pela solidão, mas o sossego vale a pena, e ele aproveita o tempo para ler, ele adora ler, sabia?”
“Não.”
“Mas às vezes não é tão sossegado assim. Sempre tem uma surpresinha de madrugada” baixava a voz, “uns casos do tipo que você mencionou”, piscava os olhos azuis, “se eu falar com ele, garanto que ele topa e você aparece lá e vê ao vivo e a cores como você sempre quis.”
Me pede o número do telefone e continua:
“É para quando rolar um cadáver fresquinho, se você deixar, eu dou teu número e ele te liga. O nome dele é Jonas.”
Eu dei um cartão e disse:
“Pode me ligar a hora que for, que a morte não tem hora certa.”
“Pode deixar. Ele sabe.”
Foi aí que tudo começou. Decidi que seria ela minha primeira vitima. talvez a encontrasse pronta e aberta na mesa do amigo. Ou eu mesmo poderia bancar o legista com ela.
Quem sabe?