quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Leila.


"Eu não me suicidei, eu parti para junto de Deus. Fiquem cientes que não bebo e não uso drogas, eu decidi que já fiz tudo que podia fazer nessa vida. Tive uma vida linda, conheci o mundo, vivi em cidades maravilhosas, tive uma família digna e conceituada em Esteio, brilhei na minha carreira, ganhei muito dinheiro e ajudei muita gente com ele. Realmente não soube administrá-lo e fui iludibriada [sic] por pessoas de má fé várias vezes, mas sempre renasci como uma fênix que sou e sempre fiquei bem de novo. Aliás, eu nunca me importei com o ter. Bom, tem muito mais sobre a minha vida, isso é só para verem como não sou covarde não, fui uma guerreira, mas cansei. É preciso coragem para deixar esta vida. Saibam todos que tiverem conhecimento desse documento que não estou desistindo da vida, estou em busca de Deus. Não é por falta de dinheiro, pois com o que tenho posso morar aqui, em Floripa ou no Sul. Mas acontece que eu não quero mais morar em lugar nenhum. Eu não quero envelhecer e sofrer. Eu vi minha mãe sofrer até a morte e não quero isso para mim. Eu quero paz! Estou cansada, cansada de cabeça! Não aguento mais pensar, pagar contas, resolver problemas... Vocês dirão: Todos vivem!!! Mas eu decidi que posso parar com isso, ser feliz, porque sei que Deus me perdoará e me aceitará como uma filha bondosa e generosa que sempre fui."

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Juvencio.


Eu já estava a postos.
Era aqui mesmo que eu ia matar o cara. Era só primeiro saber quem é ele. Olhar na cara do sujeito. Confirmar.
Toquei a campainha, a porta se abriu. Um moleque. Devia ter uns treze anos.
Eu perguntei pelo Rodrigo.
Sou eu, ele disse, e você quem é?
Apontei a arma na cabeça dele e disparei.
Eu odeio esse trabalho. Não me importo de matar gente que não presta. Já matei deputados, traficantes, maridos covardes que espancam suas esposas, pais violentos, ladrões, golpistas, bispos, padres, freiras, donos de restaurante e até cachorro. Mas matar essa criança que acabei de matar pra mim foi como me amaldiçoar mais ainda. Cavar mais a fundo meu buraco. Doeu como um pecado legítimo.
Não gosto de matar pivetes, mesmo que sejam ladrões, assassinos, estupradores e traficantes. Me dá a impressão de que vamos todos desaparecer. De que tudo está perdido. Sinto que dentro de mim algo mais vai se arrebentando aos poucos. A cada moleque morto.
Deus me perdoe, porque a minha profissão é matar. Assim mesmo desse jeito errado acho que estou agindo certo ainda que vós não gosteis. Estou limpando um pouco o mundo dessas criaturas. Tem muito deles por aqui e nós estamos de saco cheio. Se todo mundo resolvesse matar, cada qual seu próprio bandido, o mundo estaria bem melhor. As pessoas estariam mais seguras e o mal estaria mais contido. Mas e eu? Será que eu sou o mal? Será que eu próprio estou cavando meu destino? Ou já está traçado. E se, por exemplo, eu fui escolhido para fazer o que faço? Matar. Talvez seja, pois quando seguimos o nosso coração, quando fazemos aquilo que gostamos e que nos faz sentir livres e realizados é porque estamos fazendo o certo, aquilo que nossa alma busca. Sendo o que somos, somos felizes. Por isso eu mato. Gosto de matar, só me incomoda matar as crianças.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Maurício.


As minhas primeiras lembranças são as vozes gritando. Bicha, bicha. As crianças, os moleques. Bicha, bicha. E muito tempo depois fui saber do que me chamavam. Até então sentia um misto de pavor e coesão no meu peito, coisa que só piorou com o passar das décadas quando as coisas já perderam totalmente o controle. Digo as coisas vindas do instinto, as que a gente não consegue controlar, por isso o mundo anda louco e as boas causas mais impossíveis ainda. Eu descobri tudo isso num instante entre ser currado e descobrir o sexo, mas essa estória fica muito difícil aqui é melhor deixar quieto. O pior de tudo é que apesar de ter apanhado tanto no começo, ainda sobrou um tempão que ao invés de poder fazer as escolhas certas, fiz as erradas e me tornei incapaz até de ser verdadeiro com meus amigos. Sou apenas uma projeção mental para eles, meus amigos. Não sou quem eles pensam que sou. Nunca pude me mostrar verdadeiramente por medo e por falta de confiança. E pelo meu caráter essencialmente gutural, emotivo e irônico, incapaz de respeitar ou levar a vida a sério. Mas isso é um problema interno, no peito onde se guardam as coisas velhas que começaram tudo isso, assim eu aprendi. Apesar disso tudo, dessas coisas que acontecem, ainda sobra um tempão pra jogar fora nos vícios, nos padrões viciosos, nas noitadas loucas que acontecem de repente e que quando a gente percebe está totalmente descarregado de qualquer traço de inteligência e lucidez. Mas minha força permanece a mesma, é incrível. Com tudo o que a vida usa para nos transmutar, apesar de alguns caminhos serem duros e escuros, eu continuo sempre aprendendo a seguir o meu coração. Sou muito errado eu sei, mas agradeço a todos que me fizeram chegar aqui assim. Sou mau, mas sou eu mesmo verdadeiro. Sem aquela máscara com a qual eu me apresentei a você pra te fazer gostar de mim. Não preciso mais disso porque eu estou livre.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

André.


Me disseram que eu, quando escrevo não sou eu sou outra pessoa, por que na comunicação do dia a dia, na convivência, nas saídas pela noite com os amigos, sou outra pessoa.
Uma onde não cabem esses pensamentos na imagem que você passa, uma coisa meio idiota que você faz ou passa pros outros, ele disse enrolado nas minhas pernas, na verdade eu não imagino você pensando essas coisas, eu quero entender quem é você afinal, que numa época da sua vida era sarcástico inteligente, antenado, desdobrado, relax, sempre com resposta na ponta da língua. De onde então você tirava essa coragem de ser esse que agora você só revela através das suas palavras? Porque afinal você mudou, ficou triste com uma luz meio apagada nos olhos tirando todo esse baseado que você fuma? Aliás queria lhe dar os parabéns, ele disse numa espécie de superioridade um tanto insegura, enveredando por caminhos diversos dos discutidos somente na minha alma.
Porque eu não tenho coragem, pensei assim na lata, mentalmente eu já havia respondido a pergunta, e eu sempre entro nesse jogo, nessa armadilha que ele sabia pra mudar de assunto, pra fugir. Ele continuou, queria te dar os parabéns por que você parece que parou de fumar, mesmo, não é, não tem dado nenhum peguinha?
Não mesmo. O fato é que tudo isso que ele me disse e perguntou me levou a dar um chek up na situação, e a reler Alice no país das Maravilhas, saca aquela música?
E descobri que a solidão é que faz isso com as pessoas. É claro que tem um monte de coisas aí, mas não me atrevo, acho que todo mundo deve respeitar seus esqueletos. Mas a solidão, porque o que escrevo na verdade é o que se passa dentro da mim, da minha coisa, e que muitas vezes não gosto de revelar olhando nos olhos de alguém é isso. E que talvez ache que meus pensamentos não alcancem as pessoas, já me senti muito assim também, como um ET, é um medo, mas que é um padrão, esse medo de me expressar e sentir que certas pessoas me intimidam e me chocam. Eu podia inventar essa síndrome, a Síndrome de Alice no País das Maravilhas. A que acha que pensa que sabe onde está ou que pode confiar nas pessoas ou ainda o que os outros pensam e tenta forçar um pouco a barra pra que as coisas estejam de acordo com o que você deseja, ou seja, um pouco de egoísmo disfarçado de país das maravilhas, uma fantasia louca de um cérebro confuso. E aí é que entra meu padrão de manipulador que é ligado à um outro tão horrível que eu não tenho nem coragem de revelar. Mas eu pelo menos tenho e mostro a minha cara e estou aprendendo coragem pra mudar isso. Mas e vocês?

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Joana

Eu já estava desconfiada a algum tempo, mas não sei porque decidi voltar naquele dia. Não sei o que deu em mim, mas foi assim sem mais nem menos, fiz tudo como todo dia, acordei, tomei banho fiz o café, me arrumei e sai para trabalhar, só que naquele dia não sei por que deixei a carteira de propósito só pra poder voltar depois. Esperei um pouco na esquina de casa, sei lá, talvez achasse que fosse chegar alguém e eu o pegaria no flagra. Mas eu tinha certeza que ele andava aprontando. Mesmo me chamando de paranóica e louca, e dizendo que a vida toda eu sempre fui assim, ciumenta e insegura, que me sentia culpada de não saber amar, e que por isso o meu egoísmo era tão latente que eu não levava em consideração o ele fazia por mim,”te dou tudo não te falta nada”. E ele tinha a cara de pau de dizer que isso afetava até nossa vida sexual.
“Você quando goza parece que está tendo um troço, se encolhe toda e não consegue nem olhar na minha cara”, dizia ele, “e depois ainda quer saber com que outra eu aprendi o que uma mulher gosta? Joana faça-me o favor isso é coisa que se pergunte? E o desejo que eu sinto por você? Então eu não posso ser bom de cama? Você acha o que? Que só houve você na minha vida? Vou te dizer uma coisa, a cada dia que passa você fica pior. Não confia mais em mim e nem me ouve. Sabe o que é pior? É que hoje eu vejo que você é tão envolvida, tão consumida por essa paranóia, por essa tua insegurança que te cegam tanto que você não consegue ver quem eu sou na real, não me conhece não sabe nada de mim. Não sabe que eu te amo. Que eu te aturo simplesmente por que eu te amo Joana, sabia?”
Ele tentava me fazer sentir culpada, mas eu não caía nessa. Já conheço e não é de hoje. Não deu outra, eu queria mesmo era acabar com essa palhaçada. Fosse paranóia, ou não, eu não queria saber.
Quando voltei pra buscar a carteira, notei que ele não estava na sala. O horário dele sair pra trabalhar é bem depois do meu. Fui até onde estava a carteira e escutei um ruído no telefone, na hora vi que ele devia estar falando com alguém. Tirei o fone do gancho e resolvi escutar:
“Mas eu não sei o que você vê nela, por que bonita ela não é, de corpo vá lá, até que engana, é jeitosinha e tal, mas a cara meu filho, tem dó. Ninguém merece. Por que você casou com ela, hein?”
“Ela é boa, é gostosa, tem corpo bonito. É meio burra, mas vale a pena, é moça de família, me respeita, faz tudo o que quero e a casa sempre está limpa”.
“Ah, fala serio. Mas então ela é tua empregada, isso eu também posso ser. Já ela nem te dá o cuzinho, é ou não? Ou dá?"
“Não ela não dá, não é vagabunda como você” e riu o canalha. Riram os dois.
“Ah, mas do meu você gosta, não gosta? Não gosta de cú de macho, heim? Quando é que eu vou poder te dar ai nessa cama? Quero de novo na cama de vocês."
Não quis ouvir mais nada. Estava muito chocada com o que tinha ouvido. Esse puto trepava com outro homem na minha cama. Deu em mim um ódio tão grande que nem sei. Fui até a cozinha quis beber um pouco de água com açucar, mas do jeito que eu estava não adiantou nada. Não consegui. Estava tonta, meu ouvido zumbia, não conseguia raciocinar direito, eu quis mata-lo mesmo, agora lembrando de como tudo aconteceu eu não posso alegar nada em minha defesa porque realmente eu tive vontade de mata-lo. Era o que eu queria.
Fui até o quarto, onde ele estava ao telefone, entrei como se estivesse atrás da carteira. Assim que me viu, murmurou algo como se estivesse falando com algum amigo, e rápido, desligou o telefone.
“Voltou?” perguntou na maior tranqüilidade.
Só lembro de ter pego o ferro de passar roupa que estava no chão ao lado da cama e dei na cabeça dele com força. Ele tombou na cama com uma cara de espanto, e dei outra, outra, outra e mais outra. Depois só lembro que ouvia o barulho surdo das pancadas na cabeça dele, e que o rosto estava desfigurado, com uns pedaços pela cama. O olho tinha caído, os dentes, era tudo uma pasta de carne.
Tomei um banho, arrumei uma mala com umas roupas, meu documentos, tudo o que eu tinha que era de valor pra mim, fui pra rodoviária, peguei um ônibus e sumi.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Clarisse


Foi tudo minha culpa. Estávamos numa reunião de amigos e eu soltei:
“Gente, eu ando tão bloqueado, estou precisando fazer uma pesquisa em campo, pra ver se sai algo, e talvez assim eu consiga escrever direito. Estou precisando de um estimulo. Estou desesperadamente precisando visitar um IML, dar de cara com um cadáver. Aberto e estropiado pelo legista, pode ser morto de qualquer coisa, de desastre, de automóvel, de avião, pode ser estrangulamento, afogado, estupro, surra, facada, tiro, cortado em pedaços, queimado, mordido, comido, empanturrado, overdose, machadada, perfurações de espeto, de tesoura, veneno, ácido, sei lá de qualquer jeito. Se vocês presenciarem um crime, um acidente, uma ocasião em que de qualquer maneira depararem com um cadáver, isso mesmo, não é pra rir não, é serio, não chama a ambulância me chama primeiro pelo amor de Deus.”
Os amigos, claro, acharam graça, não pararam de rir:
“De onde você tirou ‘perfurações de espeto’?”
“E ‘machadada’ é trash, coisa de filme.”
“Não sei por que penso nessas coisas. Elas simplesmente aparecem.” Eu disse.
“Você tem preferência de sexo?”
“E cor?”
“Não ligo, desde que esteja bem morto e eu possa obter impressões que em ajudem com o trabalho.”
“Mas você é escritor, não pode imaginar tudo?”
“Sim, mas preciso ter a impressão do que já vi. É assim que eu sou.”
“Eu acho que posso ajudar”, disse Clarisse. Estava ali ao meu lado, olhos azuis e bolsa bonita.
“O que você está achando dessa festa?” Perguntou ela.
“A bebida está boa.”
“Quer ir para um outro lugar depois?”
“Sou gay.”
“Sou puta. Desculpe.”
“Está pedindo desculpa por ser puta?” Ri.
Ela riu também. Disse:
“Pela cantada. Tem gay que tem medo de mulher.”
“Não sou assim, sou escritor.”
“Sei, ouvi seu comentário. Você quer dizer que escritor não tem medo de mulher e gay sim?”
“Quis dizer que sou sensível e não covarde. É que às vezes não me identifico.”
“Não reconhecer a si próprio? Assim, não saber quando é um ou quando é outro?
“Sim.”
“Eu também", disse ela, "ás vezes eu fico assim.” Fez uns olhos tristes de repente, pensando em algo. “Acho que posso te ajudar.” Disse.
“Com o quê? A me identificar?”
“Tem um amigo meu que é legista, bonitão, prefere sempre trabalhar de madrugada, diz que é mais macabro, pela solidão, mas o sossego vale a pena, e ele aproveita o tempo para ler, ele adora ler, sabia?”
“Não.”
“Mas às vezes não é tão sossegado assim. Sempre tem uma surpresinha de madrugada” baixava a voz, “uns casos do tipo que você mencionou”, piscava os olhos azuis, “se eu falar com ele, garanto que ele topa e você aparece lá e vê ao vivo e a cores como você sempre quis.”
Me pede o número do telefone e continua:
“É para quando rolar um cadáver fresquinho, se você deixar, eu dou teu número e ele te liga. O nome dele é Jonas.”
Eu dei um cartão e disse:
“Pode me ligar a hora que for, que a morte não tem hora certa.”
“Pode deixar. Ele sabe.”
Foi aí que tudo começou. Decidi que seria ela minha primeira vitima. talvez a encontrasse pronta e aberta na mesa do amigo. Ou eu mesmo poderia bancar o legista com ela.
Quem sabe?

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Norma

Tinha que ser mesmo bosta de cachorro. Foi por isso que D. Norma se estabacou na calçada eu tinha certeza. A culpa era de um fulano qualquer desses gordos, que leva o cachorro tão gordo quanto ele, a mesma cara, mesmo focinho um e outro, esse cara leva seu cachorrinho pra cagar e aproveita pra queimar um baseado enquanto o cãozinho despeja seu monte de bosta na calçada. Isso depois de voltar para casa os dois satisfeitos aliviados, pela cara do dono até parece que quem cagou foi ele, o que de certa forma é verdade e nem fica sabendo da coitada que escorregou ali minutos depois, caiu em cima da bosta fresca toda lambuzada, fraturando as tíbias, a bacia, a perna direita, o coccix, e o ombro. D. Norma agora voltava do hospital depois de "quase um dia inteiro na fila", ela dizia orgulhosa do seu tombo, ia ter assunto pro mês inteiro com as amigas do bingo. "Perdi o dia todo pra ser atendida naquele hospital, fiquei lá naquele corredor toda cagada, toda suja de merda, ninguém queria chegar perto de mim", dizia ela, "acredita que fui sozinha? Ninguém me ajudou, e ainda uns moleques, crispou as mãos, uns moleques passando de moto rindo da minha cara, ainda me mandaram parar de beber, para de beber tia", fazia ela com uma voz debochada de rancor, "eu nem beber, bebo, olha que coisa. Fiquei tão chateada, tem gente que gosta de rir dessas coisas, não é?" Depois muda de atitude:
"Vou tacar um processo na prefeitura sabe? Pedir uma indenização, passei uma humilhação lá naquele hospital, era tudo aluno de escola aqueles médicos lá, me olhando, comentando lá por dentro atrás das portas, as vezes escutava um risinho, aqueles putos, queria ver se fosse a mãe deles, em vez de atenderem a gente logo, ficam de conversa, não sei o que tanto conversam e deixam a gente lá esperando, sofrendo de dor...agora eu penso que era por causa do cheiro de bosta de cachorro, eu também estava bem suja. Sabe que nem táxi e nem ônibus pararam para me levar ao hospital?" A voz tremia, embargava, D. Norma humilhada. Continuou:
"Tive que ir a pé pela rua, agüentando a humilhação, toda suja, toda cagada e nem um carro de policia, quando a gente precisa eles sempre somem. E ainda quando chego lá demoro um tempão para ser atendida. Parece até que é de propósito, deixar a gente esperar daquele jeito, depois chegam nos olham na cara e dizem: vai ter que engessar, então eu não sei porra, que vai ter que engessar?",estava danada a D. Norma, me pegou pra desabafar logo eu que estava com pressa e não suportava papo de velha. "Vai lá no bairro do prefeito", dizia ela me apertando os braços, "no bairro do prefeito não tem nada disso, lá as calçadas não tem buracos, não tem merda de cachorro nem sujeira nenhuma. No bairro do prefeito é tudo do bom e do melhor, queria ver alguém de lá tomar um tombo escorregando em merda de cachorro".
Uma merda, a vida de velha da D. Norma. Assim que eu ajudei ela a entrar em casa dei no pé, não suporto papo de velha sozinha que se fode e quer ficar falando disso o tempo todo. Que a filha tinha ido morar em outra cidade e a neta de doze anos, que ela toma conta está grávida e ainda a mandou tomar no cú quando ela perguntou que barriga era aquela. Uma fodida a D. Norma.
Fui depressa tomar um banho, sou neurótico com limpeza.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Sem voz.

Estou afônico.
E minhas palavras empacadas num celeiro escuro do lado direito do meu inconsciente. O lado direito, saiba, é o racional, aquele em que você pode confiar. Que quando você faz uma merda qualquer , mas daquelas grandes, fica apitando o teu ouvido direito e você fica se desconcentrando de tudo, sem ter o que escrever, sem vomitar uma virgula, e perde até a voz, por mais que você tente ignorar? Mas o que é que a voz tem com isso?
Nesses dias tem andado pela minha cabeça umas estórias de mudanças e acho que vou começar por não mais gastar meus parcos dons literários, com palavras que digam o que sinto por você. Na verdade isso não me interessa mais. O mês de agosto lhe dá um aviso. Saia da minha cabeça, biltre, demônio, Lúcifer, Nosferatu, Leviatã, Asmodeu, Barrabás, Cascudo, Bode Negro, Satanás, Legião.
Fora daqui.
Do começo do jorro das novas palavras vou mergulhar de vez na ficção. Não gosto de ficar na ficção e nessa obcessão com você. Me dividir causa pane nos neurônios e no meu comportamento social, portanto saio fora de uma vez e abandono a realidade para me esconder de você sob outra identidade. Uma que você não vai saber.Mas um dia te pego. Você sabe ler?

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Sem pedaço.

Ontem o vento, aquele vento seco e quente, tão brutal numa tarde confortável, nessa lentíssima espreguiçadeira, nessa vastíssima avenida de poemas de Wally Salomão, esse vento trouxe teu nome, sei lá de onde, de que noites escuras, em que tento não me deixar dominar pela ruim sensação que isso traz. Mas quando vejo já estou jogado na noite numa boate qualquer, mas qualquer mesmo, até mesmo numa dessa de quinta, onde agora eu tento a todo custo dominar minha cabeça e não deixar afetar pela tua atmosfera, pelas lembranças, pelo teu rosto que vejo na minha mente o tempo todo, e que se integra tão bem com essa musica ruim me agredindo, piorando minha fúria.
Tudo o que eu tenho dito aqui, até mesmo minhas opiniões claras sobre você e tantas outras coisas, foi e ainda é, para causar uma ruptura no meu eixo, pra que o que eu sinto e o que eu digo sejam auto-imunes, ou seja não irão se deteriorar no tempo como as coisas que você disse pra mim. Mas até mesmo isso fica muito chato, por que acabo caindo numa armadilha. Falando tão mal de análises, terapias e tal, acabo eu mesmo não fazendo algo do tipo? Pois é, pelo menos eu posso contar com minha inteligência. É a única coisa que tenho minha mesmo. Mais nada.
Na verdade a ruptura ocorreu a muito tempo, só não sei se foi bom pra mim. Ainda continuo num limbo entre a dor da lembrança de ter te conhecido e o daqui pra frente sem você. Dar esse passo não me custa nada. Só me custa a vida.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Sem cara.

Em algum átomo desses dentro de mim mesmo, desconheço esse conceito pesado que envolva o amor. O amor é por excelência o requinte da paixão. Limpo de toda a loucura das paixões e das obcessões. O perigo da morte, de repente, vir te visitar no escuro através dos olhos daquele cara que você gosta tanto.
Acho que o lance é esse mesmo, é cair na real, se esborrachar de cara no chão, saber qual é a tua realmente. Assumir todo o seu próprio lixo e ser quem você realmente é de verdade verdadeira sem truques ou fugas com explicações de terapias e processos de num sei o quê, onde ficam moldando o teu cérebro do jeito que querem até você aprender a se comportar como um idiota e poder viver na sociedade de hoje. Conviver entre as pessoas normais. E ainda paga por isso, e não é pouco. Paga bem pra ser como o resto pra poder ser aceito. Mas e você de verdade, cadê? Em que buraco você se enfia pra poder se suportar? Mas tudo bem, você merece ser aceito, é ou não é? Merece deixar de escolher um caminho em que seja você inteiro, total, sem máscara, nem fingimento, mesmo que doa, que abram feridas doloridas. Mesmo assim.
Zerar total, começar tudo outra vez. Sempre. Rodando em círculo.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Sem elo.

Sim, é claro que tudo que eu escrevo é para você, sem o que nada disso seria real nem teria sentido. No meio das palavras entre aquilo que você entende, pode haver uma verdade, ou muitas. Depende do sentido que você escolher tomar nesse labirinto. Aqui é tudo contrabandeado, os pensamentos, os sentimentos, as lembranças, as palavras de guerra...
Nas primeiras noites quando não conseguia dormir, eu vagava pela casa como uma assombração, destrancando as portas, as janelas, os armários, em todo o ambiente uma corrente que começava em mim, no meu rancor. Pus sangue na tua maldição. Sangue que eu vomito junto com essas palavras, como um sintoma de doença grave. Foi assim que eu fiquei.
É branca a dor que vem, quando se percebe que a vida não para, a vida continua em todo canto, as pessoas sem saber a desgraça que é sua vida, a coisa fedida que é dentro de você, digo, perceber de verdade mesmo. Depois de aprender muitas coisas e observar a vida e as pessoas. O lado negro delas.
Neste instante, enquanto eu aqui escrevendo essas palavras e você lendo, muita coisa acontece, nascimentos, mortes, despedidas, cortes, desmembramentos, as dores do amor jogado no lixo muitas vezes por um motivo obscuro, um qualquer, mas qualquer mesmo.
Alguém nesse momento sendo atropelado pela realidade, vendo de repente a pessoa se transformar diante de si. É a hora em que mais a solidão assusta. Na frieza de um amor sem nada. Que não foi sentido.
Foi-se talvez porque não devesse ter vindo. Porque não era real.
Eu não caio mais nessa de amor e entendo porque o mundo anda tão louco. Tudo ainda vai piorar , quando chegar a hora da bomba H, antes do anoitecer de vez. Como já aconteceu com você, ou pensa que eu não sei? Você acha que depois desses anos passados eu me desconectei de você? Do seu intimo? Da sua medula? Acha que eu não sei, que não sinto como você está? Muita coisa nessa vida não tem cura. Demora muito, mas muito mesmo. O toque do demônio e o coração aprisionado. Essas coisas da alma levam um tempão pra passar. Como as mais negras feridas.
Sonhei com um buraco negro na parede depois de entrar num aposento. Via a minha imagem num grande espelho. Era eu, mas tinha cabelo comprido, rosto, voz e idéias diferentes.

sábado, 2 de agosto de 2008

Sem tempo.

Onde os momentos febris em que eu me deleitava inventando, imaginando coisas, caçando prazeres loucos, pra nos divertir? Aqueles de antes dos teus olhos sumirem, se voltarem para algo mais sem sentido e aventureiro do que eu, minha alma e minhas palavras? À medida que o tempo passa e também a idade, vão-se derrubando conceitos sobre amor (que nunca foram definidos), como se algum tipo de filtro eliminasse aquelas sensações que você tanto conhece. Sabe que o próprio sentido carnal vai se tornando cru e impaciente. A carne então passa a ser vital, no que concerne ser passional e apto a ter paz sem ter que odiar. Ou te matar toda vez. Tudo o que guia a esfera terrestre, o que faz com que você, até mesmo alguém como você exista, se resume a só cinco elementos. Basta que você seja para que haja razão de existir, mesmo com toda essa escuridão. Porque você ainda me atrai tanto?
Sonhei que milhares de serpentes se enrolavam em mim querendo me sufocar numa escuridão e uma cratera enorme se abriu sob meus pés e eu caí.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Sem nexo.


A verdade é que eu tenho ódio de te amar. E do que você significou para mim. Mas não me arrependo de tudo o que disse e escrevi e escrevo ainda agora. Nem das piores palavras. Tudo o que está dito, foi-se. Não se desfaz. Tem um ditado chinês, um provérbio, desses zen, que diz isso. É mais ou menos assim: A palavra dita, a flecha lançada, a pedra atirada são coisas que não voltam, sei lá o que, eu só lembro das figuras e do sentido do provébio.
Eu te odeio para me sentir vivo, sentir meu sangue correndo quente nas veias, fervilhar por dentro, ainda que seja por você. Ainda que eu descubra assim dessa forma dolorosa que sou capaz de sentir algo. É como se o coração morto, precisasse deste estimulo, dessa energia, que retiro da dor que essa faca há tanto tempo cravada me permite. Essa dor que seca tudo. É o ódio que seca e não a dor. A dor acorda. A dor enlouquece. Só dói quando penso em você. Quando lembro dos teus olhos. E teu nome que eu nunca mais disse.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Sem vida.

A covardia de não assumir, não querer reconhecer de jeito nenhum o que ainda sinto depois de tanto tempo, me consome e me conduz direto a esse precipício em que eu me atiro. E eu não tenho medo, é incrível. Esse fato é totalmente sincero. Não tenho como escapar desse sentimento. Sou prisioneiro dessa armadilha que eu mesmo preparei.
Com um resto de juízo, pouco, muito pouco mesmo, eu posso eventualmente assumir que também fui injusto com você, embora isso me torne muito mais covarde, e possa trazer à tona muitas outras coisas fundas e escondidas, que esperam chegar o momento de sangrar, sangrar, sangrar até um de nós dois morrer. Por isso não tomo muita consciência disso assim tão no meu intimo.
A luz de toda essa idéia me cega demais e faz doerem meus olhos. Talvez pela escuridão que você representa para mim. Como naquele dia no corredor da enfermaria, a luz fluorescente do teto fazendo arderem meus olhos, fazendo as correias doerem mais nos meus braços. A solidão e o abandono da morte, gota a gota, como gotejam os soros nas noites dos hospitais.
Sonhei que meu sangue escorria por dentro e afora de você, vazando direto para uma fenda enorme e escura que se abria no meio da terra, de onde saíam muitas cobras. Você me dizia algo e eu não entendia, eu queria correr, fugir de você para sempre, fazia um esforço tremendo para correr mas não saia do lugar.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Sem sentido.

Sim eu sou incrivelmente normal, sem precisar recorrer a nenhum, patologista, psicólogo, psiquiatra ou sei lá mais o quê. Eu mesmo dou conta de minhas loucuras, de esmiuçar e resolver minhas destemperanças, tudo dentro daquilo que sei, sou capaz sem precisar que eles vasculhem minha cabeça, cutucando querendo sempre encontrar um motivo pra culpar a mãe e vir com aquela bobajada de se auto perdoar, de mentalizar o anjo, que o amor cura tudo e que podemos tudo é só querer. Nasci com cérebro não nasci? Então pronto, não preciso desses putos.
Dentro de minha cabeça existem forças que nenhum patologista poderá decifrar.
Os rugidos, as sombras, as imagens de pedaços de lembranças, palavras, carne ferida e frases desconexas que habitam e ficam indo e vindo lá dentro, por isso demoro para atender o telefone. Os delírios de um anormal tem que ter conta e remédios para dormir senão não serão considerados autênticos, e o principal, tem que haver uma vitima. Irmã Virginia. Seus olhos são tão cheios de felicidade, me ensine a ser assim. Deus, que filme é esse? Agora ela está dizendo que Deus compensa mil vezes cada sofrimento. Me arrepio e mudo de canal. Qualquer informação vale a pena. Outro canal, as vezes a vida quer tomar tudo da gente. Como reagir. Mudo de novo. Sou lerdo pra essas coisas. Quem será que ligou? Odeio gente que não deixa recado. Mas eu também não deixo, nem pego os meus.
Agora sonhei com um buraco enorme e ficava acima de mim como se fosse num teto, mas não tinha teto era só um céu negro e o buraco me sugando, com um bafo quente, um ruído horrível, como se um milhão de mulheres estivessem sendo mortas.

terça-feira, 29 de julho de 2008


Sem ordem.


É sempre esse mistério dentro de mim, esse lado não identificado. É sempre lembrar você que mantém vivo esse baque. Esse peso no peito que depois fica como se houvesse um punhal sendo revirado. Uma sensação iminente de morte. Até hoje não sei entender por que associo a morte com a essa sensação. Não é raiva nem ódio, é mais como uma lição tardia, algo que vivi há muito tempo, e que só agora aprendo. E isso é perigoso, porque toda a violência com que te odiei também vem à tona. De uma forma mais definida e racional. Mais justificada. O inconsciente quando quer arruma motivos pra qualquer coisa, principalmente quando você esta disposto a enlouquecer alguém. A insegurança, é a base de todo mau caráter, não sei de onde veio isso, mas é a ultima coisa que pode acontecer é isso, a insegurança.
Dentro de mim, digo, na cabeça, porque nosso intelecto reside, agimos e vivemos no cérebro. O resto é tudo sistema nervoso. Mas não é sobre isso que eu quero falar. E sim sobre as doenças da alma. Mas ainda não tenho coragem de abordar esse assunto sem esbarrar cara a cara comigo mesmo, ou jogar tudo de forma diferente na sua cara. Quem tem medo de Virginia Wolf, Virginia Wolf, Virginia Wolf?

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Sem harmonia.

Não sei mais onde estou. Apenas meus pés estão e não a cabeça. O que penso sempre faz nascer em mim uma idéia equívoca de que sou lúcido. E isso não é verdade ou eu não estaria invejando essa tua inteligência doente.
Você faz que não se importa, mas é devido aos seus próprios conflitos que te atormentam, eu sei disso, do peso deles refletindo às vezes em teu olhar, tão doce e tão fundo. Pelo menos enquanto houver espaço nessa tua cabeça cheia de um pensar em vão, eles, vão estar ali te esperando pra te devorar, sei tudo isso.
Mas porque essa síndrome agora, bem no meio dessa tarde de toalhas, baseados, e videoteipes de si mesmo? Filmando seu próprio olhar querendo descobrir neles o que acabei de dizer sobre você? Você, com esse seu olho gótico de cristão legítimo. Sua intimidade me afeta mais do que pensas e é por isso que eu sou tão inseguro. Os sonhos com buracos continuam. Uma fenda enorme e rochosa se abrindo numa escuridão, e um enorme olho a me olhar.

domingo, 27 de julho de 2008


Sem forma.



Há no que eu sinto e em tudo o que faço uma paixão indistinta e dolorida, que age como um espeto furando a carne toda. Há um laço muito forte entre eu e você além da masculinidade aparente como subterfúgio. Nem sei o que digo mais. E entre nós o pacto de silêncio que me devora. Há um laço que é bem mais forte que eu, e fatalmente, que você. Temos medo e eu enfrento, você não. Há no meu amor uma escuridão que eu já conhecia. De vivência, de tantas horas que passei com você. Uma vontade de gritar com você te xingar, de fazer alguma coisa muito violenta, uma loucura. Esse olho na minha cabeça tomando conta de toda a minha louca imaginação. Em você é tudo tão apagado.
A loucura é minha vizinha aqui do lado. às vezes me pergunta se está tudo bem, assim que você sai. Sempre. É horrivel e belo te odiar. É também um desafio a algo maior que nos trouxe até aqui. É solitário. Amar-te é suicidio.

Sem Título.

As vezes fico só olhando o papel em branco sem nada vir à cabeça, nada pra balançar, instigar nem mesmo punir. Nada. Só o branco do papel me afrontando, como se dissesse, “e agora? O que você vai fazer? Porque não escreve simplesmente, deixa fluir os terrores da tua vista noturna. Teus escombros embaixo da cama, porque hein?" Só o papel em branco, a caneta na mão. A cabeça vazia.
Prefiro escrever tudo à mão, no papel, com calma para não perder nada do que se passa no oco escuro.
O que não acontece quando estou em frente à tela do computador, digitando furiosamente uma cena. Perco sempre a melhor parte. Por isso sempre acabo reescrevendo tudo, sempre um pretexto pra remexer, repisar, cutucar. E também me exceder. Viver é se expor demais feito um cais no entardecer. Sonhei com uma cobra coral. E também com uma gruta escura, enorme e funda. A escuridão não me assustava e eu só ficava ali, olhando o escuro sem ver nada.