sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Norma

Tinha que ser mesmo bosta de cachorro. Foi por isso que D. Norma se estabacou na calçada eu tinha certeza. A culpa era de um fulano qualquer desses gordos, que leva o cachorro tão gordo quanto ele, a mesma cara, mesmo focinho um e outro, esse cara leva seu cachorrinho pra cagar e aproveita pra queimar um baseado enquanto o cãozinho despeja seu monte de bosta na calçada. Isso depois de voltar para casa os dois satisfeitos aliviados, pela cara do dono até parece que quem cagou foi ele, o que de certa forma é verdade e nem fica sabendo da coitada que escorregou ali minutos depois, caiu em cima da bosta fresca toda lambuzada, fraturando as tíbias, a bacia, a perna direita, o coccix, e o ombro. D. Norma agora voltava do hospital depois de "quase um dia inteiro na fila", ela dizia orgulhosa do seu tombo, ia ter assunto pro mês inteiro com as amigas do bingo. "Perdi o dia todo pra ser atendida naquele hospital, fiquei lá naquele corredor toda cagada, toda suja de merda, ninguém queria chegar perto de mim", dizia ela, "acredita que fui sozinha? Ninguém me ajudou, e ainda uns moleques, crispou as mãos, uns moleques passando de moto rindo da minha cara, ainda me mandaram parar de beber, para de beber tia", fazia ela com uma voz debochada de rancor, "eu nem beber, bebo, olha que coisa. Fiquei tão chateada, tem gente que gosta de rir dessas coisas, não é?" Depois muda de atitude:
"Vou tacar um processo na prefeitura sabe? Pedir uma indenização, passei uma humilhação lá naquele hospital, era tudo aluno de escola aqueles médicos lá, me olhando, comentando lá por dentro atrás das portas, as vezes escutava um risinho, aqueles putos, queria ver se fosse a mãe deles, em vez de atenderem a gente logo, ficam de conversa, não sei o que tanto conversam e deixam a gente lá esperando, sofrendo de dor...agora eu penso que era por causa do cheiro de bosta de cachorro, eu também estava bem suja. Sabe que nem táxi e nem ônibus pararam para me levar ao hospital?" A voz tremia, embargava, D. Norma humilhada. Continuou:
"Tive que ir a pé pela rua, agüentando a humilhação, toda suja, toda cagada e nem um carro de policia, quando a gente precisa eles sempre somem. E ainda quando chego lá demoro um tempão para ser atendida. Parece até que é de propósito, deixar a gente esperar daquele jeito, depois chegam nos olham na cara e dizem: vai ter que engessar, então eu não sei porra, que vai ter que engessar?",estava danada a D. Norma, me pegou pra desabafar logo eu que estava com pressa e não suportava papo de velha. "Vai lá no bairro do prefeito", dizia ela me apertando os braços, "no bairro do prefeito não tem nada disso, lá as calçadas não tem buracos, não tem merda de cachorro nem sujeira nenhuma. No bairro do prefeito é tudo do bom e do melhor, queria ver alguém de lá tomar um tombo escorregando em merda de cachorro".
Uma merda, a vida de velha da D. Norma. Assim que eu ajudei ela a entrar em casa dei no pé, não suporto papo de velha sozinha que se fode e quer ficar falando disso o tempo todo. Que a filha tinha ido morar em outra cidade e a neta de doze anos, que ela toma conta está grávida e ainda a mandou tomar no cú quando ela perguntou que barriga era aquela. Uma fodida a D. Norma.
Fui depressa tomar um banho, sou neurótico com limpeza.