quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Leila.


"Eu não me suicidei, eu parti para junto de Deus. Fiquem cientes que não bebo e não uso drogas, eu decidi que já fiz tudo que podia fazer nessa vida. Tive uma vida linda, conheci o mundo, vivi em cidades maravilhosas, tive uma família digna e conceituada em Esteio, brilhei na minha carreira, ganhei muito dinheiro e ajudei muita gente com ele. Realmente não soube administrá-lo e fui iludibriada [sic] por pessoas de má fé várias vezes, mas sempre renasci como uma fênix que sou e sempre fiquei bem de novo. Aliás, eu nunca me importei com o ter. Bom, tem muito mais sobre a minha vida, isso é só para verem como não sou covarde não, fui uma guerreira, mas cansei. É preciso coragem para deixar esta vida. Saibam todos que tiverem conhecimento desse documento que não estou desistindo da vida, estou em busca de Deus. Não é por falta de dinheiro, pois com o que tenho posso morar aqui, em Floripa ou no Sul. Mas acontece que eu não quero mais morar em lugar nenhum. Eu não quero envelhecer e sofrer. Eu vi minha mãe sofrer até a morte e não quero isso para mim. Eu quero paz! Estou cansada, cansada de cabeça! Não aguento mais pensar, pagar contas, resolver problemas... Vocês dirão: Todos vivem!!! Mas eu decidi que posso parar com isso, ser feliz, porque sei que Deus me perdoará e me aceitará como uma filha bondosa e generosa que sempre fui."

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Juvencio.


Eu já estava a postos.
Era aqui mesmo que eu ia matar o cara. Era só primeiro saber quem é ele. Olhar na cara do sujeito. Confirmar.
Toquei a campainha, a porta se abriu. Um moleque. Devia ter uns treze anos.
Eu perguntei pelo Rodrigo.
Sou eu, ele disse, e você quem é?
Apontei a arma na cabeça dele e disparei.
Eu odeio esse trabalho. Não me importo de matar gente que não presta. Já matei deputados, traficantes, maridos covardes que espancam suas esposas, pais violentos, ladrões, golpistas, bispos, padres, freiras, donos de restaurante e até cachorro. Mas matar essa criança que acabei de matar pra mim foi como me amaldiçoar mais ainda. Cavar mais a fundo meu buraco. Doeu como um pecado legítimo.
Não gosto de matar pivetes, mesmo que sejam ladrões, assassinos, estupradores e traficantes. Me dá a impressão de que vamos todos desaparecer. De que tudo está perdido. Sinto que dentro de mim algo mais vai se arrebentando aos poucos. A cada moleque morto.
Deus me perdoe, porque a minha profissão é matar. Assim mesmo desse jeito errado acho que estou agindo certo ainda que vós não gosteis. Estou limpando um pouco o mundo dessas criaturas. Tem muito deles por aqui e nós estamos de saco cheio. Se todo mundo resolvesse matar, cada qual seu próprio bandido, o mundo estaria bem melhor. As pessoas estariam mais seguras e o mal estaria mais contido. Mas e eu? Será que eu sou o mal? Será que eu próprio estou cavando meu destino? Ou já está traçado. E se, por exemplo, eu fui escolhido para fazer o que faço? Matar. Talvez seja, pois quando seguimos o nosso coração, quando fazemos aquilo que gostamos e que nos faz sentir livres e realizados é porque estamos fazendo o certo, aquilo que nossa alma busca. Sendo o que somos, somos felizes. Por isso eu mato. Gosto de matar, só me incomoda matar as crianças.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Maurício.


As minhas primeiras lembranças são as vozes gritando. Bicha, bicha. As crianças, os moleques. Bicha, bicha. E muito tempo depois fui saber do que me chamavam. Até então sentia um misto de pavor e coesão no meu peito, coisa que só piorou com o passar das décadas quando as coisas já perderam totalmente o controle. Digo as coisas vindas do instinto, as que a gente não consegue controlar, por isso o mundo anda louco e as boas causas mais impossíveis ainda. Eu descobri tudo isso num instante entre ser currado e descobrir o sexo, mas essa estória fica muito difícil aqui é melhor deixar quieto. O pior de tudo é que apesar de ter apanhado tanto no começo, ainda sobrou um tempão que ao invés de poder fazer as escolhas certas, fiz as erradas e me tornei incapaz até de ser verdadeiro com meus amigos. Sou apenas uma projeção mental para eles, meus amigos. Não sou quem eles pensam que sou. Nunca pude me mostrar verdadeiramente por medo e por falta de confiança. E pelo meu caráter essencialmente gutural, emotivo e irônico, incapaz de respeitar ou levar a vida a sério. Mas isso é um problema interno, no peito onde se guardam as coisas velhas que começaram tudo isso, assim eu aprendi. Apesar disso tudo, dessas coisas que acontecem, ainda sobra um tempão pra jogar fora nos vícios, nos padrões viciosos, nas noitadas loucas que acontecem de repente e que quando a gente percebe está totalmente descarregado de qualquer traço de inteligência e lucidez. Mas minha força permanece a mesma, é incrível. Com tudo o que a vida usa para nos transmutar, apesar de alguns caminhos serem duros e escuros, eu continuo sempre aprendendo a seguir o meu coração. Sou muito errado eu sei, mas agradeço a todos que me fizeram chegar aqui assim. Sou mau, mas sou eu mesmo verdadeiro. Sem aquela máscara com a qual eu me apresentei a você pra te fazer gostar de mim. Não preciso mais disso porque eu estou livre.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

André.


Me disseram que eu, quando escrevo não sou eu sou outra pessoa, por que na comunicação do dia a dia, na convivência, nas saídas pela noite com os amigos, sou outra pessoa.
Uma onde não cabem esses pensamentos na imagem que você passa, uma coisa meio idiota que você faz ou passa pros outros, ele disse enrolado nas minhas pernas, na verdade eu não imagino você pensando essas coisas, eu quero entender quem é você afinal, que numa época da sua vida era sarcástico inteligente, antenado, desdobrado, relax, sempre com resposta na ponta da língua. De onde então você tirava essa coragem de ser esse que agora você só revela através das suas palavras? Porque afinal você mudou, ficou triste com uma luz meio apagada nos olhos tirando todo esse baseado que você fuma? Aliás queria lhe dar os parabéns, ele disse numa espécie de superioridade um tanto insegura, enveredando por caminhos diversos dos discutidos somente na minha alma.
Porque eu não tenho coragem, pensei assim na lata, mentalmente eu já havia respondido a pergunta, e eu sempre entro nesse jogo, nessa armadilha que ele sabia pra mudar de assunto, pra fugir. Ele continuou, queria te dar os parabéns por que você parece que parou de fumar, mesmo, não é, não tem dado nenhum peguinha?
Não mesmo. O fato é que tudo isso que ele me disse e perguntou me levou a dar um chek up na situação, e a reler Alice no país das Maravilhas, saca aquela música?
E descobri que a solidão é que faz isso com as pessoas. É claro que tem um monte de coisas aí, mas não me atrevo, acho que todo mundo deve respeitar seus esqueletos. Mas a solidão, porque o que escrevo na verdade é o que se passa dentro da mim, da minha coisa, e que muitas vezes não gosto de revelar olhando nos olhos de alguém é isso. E que talvez ache que meus pensamentos não alcancem as pessoas, já me senti muito assim também, como um ET, é um medo, mas que é um padrão, esse medo de me expressar e sentir que certas pessoas me intimidam e me chocam. Eu podia inventar essa síndrome, a Síndrome de Alice no País das Maravilhas. A que acha que pensa que sabe onde está ou que pode confiar nas pessoas ou ainda o que os outros pensam e tenta forçar um pouco a barra pra que as coisas estejam de acordo com o que você deseja, ou seja, um pouco de egoísmo disfarçado de país das maravilhas, uma fantasia louca de um cérebro confuso. E aí é que entra meu padrão de manipulador que é ligado à um outro tão horrível que eu não tenho nem coragem de revelar. Mas eu pelo menos tenho e mostro a minha cara e estou aprendendo coragem pra mudar isso. Mas e vocês?